“Depois do batismo, Cristo é tentado, para indicar que tentações nos aguardam depois de sermos batizados. Por isso é dito: Jesus cheio do Espírito Santo partiu do Jordão e foi conduzido pelo Espírito ao deserto.” (Teofilacto)
Existe, da parte de Deus nosso Pai, uma amorosidade sempre presente, que cerca toda sua criação, acolhe os filhos e filhas no Filho primogênito. O autor de deuteronômio sabe disso, bem como o salmista e nos insere nessa perfeita “interação”, pois Deus mesmo ouve nosso clamor e nos retira da terra da escravidão de nossas tentações, é ELE mesmo que no Filho nos conduz novamente à terra prometida, como um “contrário” à perda do paraíso por nossos primeiro pais. Será o novo Adão, Jesus Cristo, que após o deserto nos conduzirá à terra onde mana leite e mel.
Ouvindo nosso clamor, o Senhor nosso Deus Eterno, que seu nome seja bendito para sempre, nos resgata e protege.
A voz do salmista canta ao povo que nenhum mal nos atingirá, pode nos perseguir, mas não nos atingirá, porque de fato o Senhor nos carrega em seus braços, por isso nossa disposição deve ser a confiança!
A série das tentações no deserto mostram como nossa confiança deve ser inabalável, uma opção de fé é a resposta de Jesus ao diabo. O deserto é o local novo da provação. Se no paraíso nossos primeiros pais foram tentados, é preciso que na austeridade do deserto, na ausência de todo conforto, o Cristo, conduzido pelo Espírito Santo, devolva aos corações humanos, aos expulsos do paraíso, a dignidade de herdeiros e herdeiras no Filho de Deus.
No deserto, somos chamados a com o Jesus enfrentarmos as tentações, no deserto ocorre o enfrentamento de si. No deserto, aparentemente, estamos sozinhos, mas não, possuímos duas companhias: nós mesmos e o Espírito Santo, o Paráclito, que amparou o Cristo e Nele nos ampara.
O enfrentamento de si mesmo é uma terrível situação!
Jesus, enquanto Filho de Deus, no deserto é colocado à prova sendo tentado e dividido sobre duas realidades, a confiança naquela opção de fé profunda e as realidades postas à sua frente, contrárias à proposta do Evangelho. Ele é tentado quanto à sua maior realidade, aquela presença realíssima em si mesmo, a potência de Filho de Deus, que assume nossa humanidade.
Lembremos, amigos e amigas, que o presente texto está ligado ao batismo do Senhor, quando será apresentado por Deus como o Filho amado e por João Batista como cordeiro que será sacrificado. Esse mistério do batismo do Senhor que celebrávamos na primeira festa no início do Tempo Comum, que nos insere no Cristo, em seu corpo místico e nos consagra numa missão comum, cristológica e eclesial. Vencer as tentações significa, em Jesus, fazermos aquela opção de fé radical.
De fato, a primeira tentação nos coloca no universo da confiança na generosidade de Deus. Confiar que o Pão nos será dado e que devemos aprender a partilhar o pão que recebemos é uma proposta eucarística e de profunda partilha: Quantos pães temos? Há um menino aqui com 5 pães e dois peixinhos, mas o que é isso para toda essa gente?... a confiança na generosidade de Deus alimenta multidões a partir da partilha e não do egoísmo do pretenso mero saciar-se a si, esquecendo-se que participamos do mesmo contexto de humanidade. Existe um lado nefasto nesta tentação, sentir-se satisfeito e esquecer-se daqueles que nada possuem... “dai-lhes vós mesmos de comer!”.
A segunda tentação enquadra-se no ambiente da fidelidade “somente o Senhor é nosso Deus e somente a Ele adoraremos e serviremos”. Jesus é tentado a referenciar-se fora de Deus PAI eterno e todo poderoso, naquela tentação há a mudança de referência que o diabo lhe propõe. No deserto, Jesus nos mostra que não pode haver concorrência em nossa opção de fé, ou somos de fato de Deus e por ELE e NELE buscaremos seguir nosso caminho de fé coerente ou nos ajoelharemos diante de deuses que nós mesmos criamos, por isso menores em dignidade quanto a nós e a essa pequenez nos submeteremos numa vida fugaz e sem sentido que precisa constantemente de manutenção das falsas e efêmeras felicidades, desde a busca de “like” às diversas situações de fragilidades viciantes que a sociedade, por nossas mãos, cria. Nada pode tomar o lugar de Deus em nossas vidas, nada pode gerenciar nossas vidas para além do próprio Senhor enquanto referência e vida.
A terceira tentação está ligada à cruz e, acredito, sintetiza a confiança e a fidelidade: Jesus, o Filho Deus, amado e esperado, é experimentado dolorosamente nesta terceira tentação. A cruz é o local onde Jesus irá perecer sob duas realidades de poder da época, quais sejam, o poder religioso e o poder político, e nesse perecimento trará a salvação e o resgate, mas será preciso, claro, a confiança e a fidelidade e tanto mais se confia no Senhor, mais a proposta de vida em abundância se aproxima, deixando a realidade da morte como um marco pelo qual o cordeiro de Deus deverá passar.
Na cruz revelar-se-á o autêntico Filho de Deus. Nessa realidade antecipada com aquela visão sobre Jerusalém o local da cruz, o diabo tenta enganar Jesus propondo que o poder de Deus poderá afastá-Lo daquela realidade de morte, e não se enganem, de fato, o diabo voltou em momento oportuno, na voz de Pedro, que tenta persuadir Jesus a não enfrentar a realidade da cruz e Jesus o adverte “afasta-te de mim, satanás”, ou seja, a realidade do sacrifício será vivida na confiança e na fidelidade – não seja feita a minha vontade. Ali, na confiança e fidelidade, aquele ato que pareceria derrota será irrompido com a luz de Vida Eterna do primeiro dia da semana, o novo alvorecer.
Caríssimos, no deserto, assim como Jesus foi tentado, seremos, igualmente tentados, no deserto de nossas vidas, naquele enfrentamento da realidade mais conhecida de nós mesmos, onde deveremos nos colocar nas perspectivas da confiança, fidelidade e obediência ao Senhor nosso Deus e Pai, para que no Cristo, movidos pela força do Espírito Santo recebido no batismo, possamos vencer o diabo que nos tenta para que não nos amoldemos à beleza do evangelho.
Aprendamos nesta quaresma que o Jejum silencioso da contemplação de nossas vidas no deserto pode nos colocar frente a frente com nossas realidades, mas que aquela maior realidade, de filhos e filhas de Deus, vença aquelas propostas que nos levam para longe de Deus.
Ouçamos do profeta Jeremias: Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor; é como a árvore plantada junto às águas, que estende as raízes em busca de umidade; por isso não teme a chegada do calor: sua folhagem mantém-se verde, não sofre míngua em tempo de seca e nunca deixa de dar frutos.
ELE nos carrega em seus braços, nos ama e nos protege, nenhum mal nos afligirá prisões, confiemos e sejamos livres na fidelidade e obediência ao PAI.
Pe. Jean Lúcio de Souza
Vigário Paroquial – Paróquia Sagrado Coração de Jesus – Mariana/MG