Credes agora?...
A sensação que temos é que Jesus, ao lançar essa pergunta aos discípulos, declara em bom tom que os discípulos ainda não estão preparados, não têm consciência do que falam... exceto que Jesus fala claramente. Sim e Ele fala: Eis que vem a hora - e já chegou - em que vos dispersareis, cada um para seu lado, e me deixareis só... Jesus fala do abandono, sabemos que os discípulos fogem, Judas trai, Pedro nega. Sabemos que mesmo após a ressurreição eles duvidam e pedem provas – se eu não vir em suas mãos a marca dos cravos, e se eu não puser a minha mão em seu lado, não crerei (Jo 20,25b.) – é difícil conviver com a expectativa do “não” e Jesus convive com esta expectativa, o “não” de seus discípulos.
Mas ao mesmo tempo, Jesus se deixa consolar por outra motivação. Ele sabe em quem confiar, Ele sabe quem o enviou e, por isso, declara com o coração repleto de amor e esperança que o Pai não O deixa só. O Pai está sempre com Jesus. A obra de Jesus é a obra do Pai e Ele não se aparta desta realidade familiar e divina – Ele e o Pai constituem uma unidade cíclica entre Aquele que Envia e o Mensageiro.
O Evangelista João nos situa no contexto da mensagem de despedida de Jesus, antes de padecer os suplícios de sua paixão, paixão que Ele assume para conhecermos o dom da sua paz – a paz esteja convosco (Jo 20, 19b) – sim a paz está também no caminhar com o Cristo. O desejo de Jesus que encontremos a paz “Nele” é pressuposto para a missão, nenhum discípulo anuncia sem a paz, por isso, em sua primeira aparição, a primeira palavra é o desejo de que tenham paz, mesmo sabendo que eles o abandonaram, o coração de Jesus, deseja que os discípulos se reconciliem em seu amor com a paz que Jesus e só Jesus poderia comunicar, perdoando...
Há igualmente, no mesmo espaço textual, um alerta sobre as tribulações que irão surgir... sejamos corajosos.
Vejamos irmãos e irmãs em um primeiro momento o ouro ainda não havia sido provado pelo fogo, os discípulos possuem uma fé que não é digna de confiança, precisam ainda amadurecer mais, irão sofrer, para além do duro golpe da morte do Senhor, de que serão testemunhas, haverão de amargar sua covardia diante de Jesus: fuga, negação, dúvidas, traição... isso poderá fazer com que o medo os domine, a vergonha pelos atos contrários ao amor tão fecundo de Jesus, poderá promover a necessidade de se apartar da missão. Jesus alerta-os sobre as tribulações internas e externas.
Sim, nossas tribulações possuem lado, o lado de dentro e o lado de fora. O coração humano é um ambiente individual, nenhuma pessoa pode se dar o direito de julgar conhecer o coração de outra pessoa. Coração é mesmo terra estrangeira, às vezes, até nós mesmos podemos, em algum momento da vida, ter medo do que sentimos sobre pessoas e fatos e isso, verdadeiramente, pode causar-nos tribulações. As tribulações internas, em grande parte, podem ser provocadas pelas tribulações externas na vida familiar, social e eclesial, surgem várias, inúmeras situações que podem colocar nossa fé em um momento de dúvida, iremos, quem sabe, querer fugir (e muitos de nós de fato o farão), iremos trair a causa, trair a casa, trair os irmãos, falamos mal uns dos outros, pensaremos mal uns dos outros, quereremos assumir o lugar de juízes de causas que não são nossas, iremos negar... irmãos e irmãs as tribulações chegam ou chegarão.
A pergunta: crês agora? Pode, neste momento, estar sendo dirigida a nós, que podemos, como os discípulos, nos julgar maduros e compreendedores das realidades da fé anunciada. E quem somos? Ainda mais, que ainda, muito imaturos...
Mas Jesus é nossa vitória, Ele vence o mundo do lado de fora e dentro de nós. Com Ele podemos dar um passo a mais. É preciso caminhar com Jesus e aprender a amadurecer, deixar as infantilidades e imaturidades de lado, olhar para frente, lembrar que a beleza do percurso não permite a soberba de quem acha que tudo sabe e que ainda não foi preenchido pelo profundo amor do Senhor. É preciso deixar que Jesus seja nosso abrigo e segurança. Jesus vence esse mundo, do lado de dentro e do lado de fora...
Há uma música antiga, católica, muito esquecida entre nós, uma música vocacional – “quando comecei andar teus passos” ou “nossos passos, Senhor” – essa música sempre consegue me chamar à realidade do seguimento. Em um determinado momento se canta: “toma minhas mãos por entre as Tuas, me sustenta nesta estrada, que devo andar ainda, eu te peço, que esta obra Tu concluas, e o Amor que a começou será meu céu, morada!”. O Senhor nos mostrará sua vontade, não é a nossa vontade, não é do meu jeito, quando quero ou porque quero, a aventura é ao lado do Senhor...
Crês agora? Sustenta-nos Senhor no caminho que ainda devemos andar...
Pe. Jean Lúcio de Souza