Caros irmãos e irmãs, nossa reflexão continua a partir do cap.5 do Evangelho de Mateus. O caminho proposto pela liturgia da Igreja é muito provocador, pois o ensinamento de Jesus não deixa margem para um entendimento contrário àquilo que Ele quer nos ensinar.
Quando Jesus declara para não enfrentarmos os malvados Ele não quer que os seus sejam maus, mas que aprendam a partilha do bem e da justiça. Hoje, Jesus dá um passo a mais e nos provoca à plena dimensão do amor cuja beleza está no encontro com o outro, sobretudo o outro que age mal conosco, com a sociedade e com a vida. Ouvistes o que foi dito, amarás o teu próximo e odiarás teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!
Qual o nível de maturidade está contido nesta afirmativa do Cristo? Como compreender isso? E Jesus vai além... porque se queremos ser bons, amáveis e prestativos aos outros que também são bons a nós, seremos apenas homens e mulheres que “trocam favores e gentilezas”, a beleza da vida estaria então na gratuidade da perfeição. Sede perfeitos como vosso Pai do céu é perfeito.
Nosso povo costuma dizer que perfeito é só Deus, verdade, claro, só Deus é perfeito, mas aquela fala, quase soando como um ditado popular, é uma boa desculpa, para nos eximirmos daquilo que é bom e perfeito, uma vocação inerente de cada pessoa: a perfeição em Deus. Se cremos vivamente que Deus nos fez à sua imagem e semelhança, significa, que somos, à medida da imagem e semelhança, a possibilidade da ação perfeita de Deus no chão do mundo onde vivemos.
Logo, a ação perfeita rechaça imediatamente o que é imperfeito.
Estou animado com os ditados populares, irei usar mais um para ajudar em nossa reflexão: errar é humano! Fico pensando qual foi o pequeno gafanhoto que cunhou essa máxima. Eu não posso aderir a esse ditado, não posso acreditar que errar é humano, Deus não nos fez, humanos, para o erro e a maior prova disso é que Deus se encarna e assume nossa humanidade para mostrar-nos nosso lugar, o caminho que é certo aos que fomos criados para sermos humanos. Errar é justamente o contrário, é inumano.
Acredito que a produção na vida do conceito e da existência de inimigos seja o radical de nossa inumanidade, um fracasso criado por nós mesmos, por isso, o caminho contrário é o melhor, ou seja, não ter inimigos, mas se os tivermos que sejamos capazes de demonstrar nossa humanidade superando o que nos separa da perfeição, isto é, o desamor.
Quando Jesus propõe para amarmos os inimigos Ele quer que um erro seja corrigido. Se possuímos os amigos, aqueles que são próximos e queridos, somos capazes de algo mais, de um passo a mais, de um querer renovador, libertador e decisivo, amar os inimigos de tal maneira que não haja volta, senão a produção da paz e da misericórdia. Se nós nos tornamos inimigos de alguém, devemos corar as faces e termos coragem de resolvermos esse dano inumano que nasceu com a solicitação do amor que perdoa e nos humaniza.
O nascer como filhos e filhas de Deus não se dá apenas com o Sacramento do Batismo, mas acontece de modo perfeito quando amamos de modo perfeito [o Batismo em ação], aí, como nos ensina Jesus, nos tornamos filhos e filhas de Deus e o seremos de fato. Mesmo o filho e a filha queridos por Deus que se apartam para longínquas terras e gastam sua herança batismal eles são chamados ao retorno para a casa do Pai e ali, amados, serão chamados a amar.
Afinal, podemos estar em dia com todos os sacramentos e tornar a vida dos outros em um inferno, porque nossa própria vida está imersa no inferno da falta de humanidade. A saída deste espaço depende muito da forma como escolho amar, de maneira gratuita e livre cujos passos sempre apontam para mim, um ir adiante sem qualquer peso que me prenda ao passado e a situações de um terrível abandono ao mal e a produção e conquista de inimigos, ou seja, o ódio e a raiva nos tornam inumanos.
Lembremos disto: o amor e a misericórdia nos tornam humanos, e vão além, nos tornamos neles filhos e filhas de Deus, nos tornamos perfeitos para Deus e agradáveis a Ele, despertamos à novidade da vida que se concretiza não em atos de cordialidade aos iguais, mas em atos de superação daquilo que nos separa do amor de Deus e nos retira do meio da comunidade pascal.
Pe. Jean Lúcio de Souza